Ricardo Bastos/Hoje em Dia
Edifício Maletta reconquista público pelo espírito democrático e pelo visual

Democrático. Essa é a palavra mais recorrente pelos frequentadores para definir o (para os íntimos) “Maletta” – na verdade, o condomínio Arcangelo Maletta, localizado na avenida Augusto de Lima com rua da Bahia e que retomou com tudo seu posto de reduto boêmio da capital mineira com a sua “Varanda Gourmet”. Sim, é assim que o público nominou a nova meca de várias tribos. Mas é bom avisar: para conseguir mesa na varanda, é preciso chegar cedo. Conforme o ponteiro do relógio avança, o corredor vai ficando intransitável.

Edifício Maletta reconquista público pelo espírito democrático e pelo visualCardápio e visual

“Aqui podemos tomar cerveja e apreciar a paisagem. É um ambiente livre e com muitas opções de comida e bebida”, justifica a empresária Daniela Alves, 36 anos, que frequenta o espaço há cinco. Com uma pegada descolada, os bares chamam atenção não só pelo cardápio, mas também pelo visual. Quem curte um ambiente aconchegante, por exemplo, vai se sentir em casa no Biografias. Há cinco anos funcionando no corredor de frente à rua da Bahia, o café/bar impacta pelas bebidas especiais, como o Café Budapeste, com açúcar mascavo e Jack Daniels. “Também temos os sanduíches tradicionais e veganos”, reforça o proprietário Leonardo Cançado, 38 anos.

Ao lado, está o Objetoria, mescla de bar e galeria de arte. Idealizado pelo designer de produtos Thiago Guimarães, disponibiliza objetos e obras de arte para venda, além de comidinhas e cervejas artesanais. Aos finais de semana, rola muita música. “A varanda é mais arejada e a vista é muito bonita, chama muita gente”, acredita Thiago.

Estabelecimentos charmosos são a cereja do bolo do eterno point

Para os que procuram bons drinques, o Dub é parada obrigatória. “Venho aqui semanalmente”, conta a economista Amanda Nunes, 42. A carta de drinques (mais de 40!) foi elaborada pelo mixologista João Morandi, e o mais pedido é “Cinderela Baiana”. “Não sei se pelo nome, esse é o que sai mais”, afirma o gerente, Beto Martins. “Cada dia que passa descubro coisas novas aqui”, completa ele, sobre o Maletta.

Frequentador assíduo da hoje extinta Galeria Quina, o argentino Santiago Calonga (no Brasil há 15 anos) lembra que, quando chegou no Maletta, não havia bares na varanda. “Montei uma galeria de arte, onde também vendia cervejas e algumas comidas, mas só para amigos”, rememora. Com o tempo, veio o Biografias “e a coisa foi crescendo”. “Fomos nos adaptando às demandas”, diz Calonga, hoje à frente do disputado Arcângelo.

Chamariz

Mas, bem, tanta procura resultou no aumento do aluguel. “Hoje pago dez vezes mais comparado com a época que cheguei”, garante Santiago, que aposta em drinques e pratos típicos espanhóis e argentinos. As “Batata Bravas” (chips de batata com maionese de alho, salsa e molho apimentado) têm muita saída na casa. Mistura que agrada ao advogado Valter Ianni, que, para fugir da hora do rush, vai ao local pelo menos duas vezes por semana. “Conquistei grandes amizades aqui. Agora venho reencontrar pessoas e conhecer outras. O Maletta é uma mistura de personalidades em busca de algo que nem elas não sabem o que é”, filosofa.

O bom convívio entre as diversas tribos é um chamariz para gente como o design gráfico Lucas Monteiro, 30, que comemorou seu aniversário no Arcângelo por essa característica. “É um lugar onde vou com meu namorado e me sinto à vontade. Sou bem recebido, não há olhares tortos. Todos estão ali querendo curtir a noite, tomar cerveja e ter sua liberdade respeitada. Por isso venho sempre”. Mas para quem pretende conhecer o espaço, o alerta: os portões fecham à 0h. Depois, ninguém mais entra.

Referência para os turistas que chegam à capital mineira

A invasão da varanda da sobreloja pelos jovens tem início ao cair da noite. À luz do dia, o Maletta exibe outras facetas – há, por exemplo, quem procure o local para um almoço honesto – leia-se: bom e barato. E opção é o que não falta. O cheiro do bife ou torresmo que vem do Xok Xok, localizado no primeiro andar, é um exemplo. Lá, o “PF” sai por R$ 10. O restaurante situa-se no mesmo piso da icônica Cantina do Lucas, em funcionamento desde 1962 e hoje patrimônio da cidade. Artistas, jornalistas, intelectuais de toda sorte marcam presença por lá desde sempre.

No período da manhã e à tarde, os restaurantes dividem espaço – e clientela – com barbearias, locadoras de vídeo, gráficas, sebos, lan houses, estúdio de tatuagem e lojas de outros segmentos. Proprietário da barbearia Penta, Fernando de Lima, 45 anos, o “Louro”, é exemplo de amor ao local. Ele chegou aos nove anos no Maletta, tendo trabalhado como engraxate em uma das barbearias do local. Aprendeu a cortar cabelo e, aos 18 anos, abriu o próprio negócio. “Hoje, tenho a barbearia, o bar (do Louro) e ainda moro no Maletta”, conta ele, que chega a ficar quatro dias sem ir “à rua”.

“O Maletta é referência para turistas também. Pessoas de todo o mundo vêm aqui. É um universo único, a gente se acostuma com a diferença”, afirma.

Com o boom da varanda, Louro comemora o aumento de público. “Tem uns três anos que o número de clientes dobrou devido aos bares da sobreloja”.

Raridades

Mas não só de restaurantes e barbearias a rotina diurna do Maletta se constitui. O mundo de raridades e objetos de diversas épocas, que ilustra as prateleiras do complexo de sebos faz os olhos de qualquer colecionador brilharem.

Localizado no segundo piso, o 7ª Arte, comandado pelo colecionador Fernando de Almeida, 55, é um desses lugares dos quais não dá vontade de sair de mãos vazias. Entre discos de Noel Rosa, máquinas de datilografia e dicionários de latim, é possível encontrar, por exemplo, uma garrafa do refrigerante Gato Preto, fabricado em Belo Horizonte na década de 1960. “Uma peça dessas vale R$ 50, e faz muita gente voltar à infância”, atesta Fernando, que se considera um “guardião de memórias”. “Tudo que você procura, acaba encontrando aqui”, garante ele.

Selando a amizade

Ainda no segundo andar, mas no final do corredor voltado à avenida Augusto de Lima, está o estúdio de tatuagem de Luiz Sávio, o “Geleia”. Ele, que trabalha até as 21h, conta que já atendeu a muita gente que estava tomando uma cerveja nos bares e, “num estalo”, decidiu fazer uma tatuagem.

“Muitas vezes, são turmas que se reúnem raramente e, para selar a amizade, fazem um desenho igual. Ou casais, no qual um ‘presenteia’ o outro com a tatuagem. Geralmente coisas simples, que demandam 20 minutos”, conta Geleia, também um observador do espaço. “Vejo que quem frequenta o edifício à noite cada vez mais tem procurado os bares durante o dia também”. Dentro do espírito democrático que rege o local, os que querem se divertir, sem provocar desordem, são – e sempre serão – bem vindos.

A Cantina do Lucas revelou uma figura que hoje é parte da história de BH, o garçom Seu Olympio, que faleceu em 2003

O nome do edifício faz alusão ao italiano que era proprietário do Grand Hotel, que funcionou no endereço até os anos 50